14/09/2021 - 09h20

Por que os novos prédios quase não têm lavanderia nos apartamentos?

Casa e Jardim

A lavanderia compartilhada está cada vez mais presente nos empreendimentos residenciais modernos, porém especialistas do setor de construção e arquitetura divergem sobre a eficiência e vantagens dessa iniciativa
 
Historicamente, a importância da área de serviço mudou conforme as culturas regionais e as tendências mercadológicas de cada época. A limpeza das roupas já foi uma tarefa essencialmente manual e coletiva, mas ganhou aspecto individualista com o surgimento das máquinas de lavar e dos cômodos destinados a cuidar das vestimentas.
 
Atualmente, o mercado imobiliário brasileiro tem impulsionado o “resgate do coletivo” com as lavanderias compartilhadas, visto que muitos dos novos empreendimentos reduziram bastante a lavanderia ou a eliminaram totalmente da planta – o que tem exigido dose extra de criatividade por parte dos profissionais de decoração.
 
“O enxugamento é interessante para as construtoras, pois as áreas molhadas, que são o banheiro, a lavanderia e a cozinha, demandam instalações de gás, água, esgoto e revestimentos, que encarecem o orçamento da obra. As lavanderias compartilhadas permitem reduzir o tamanho das unidades e entregar mais para a venda”, diz Paula Sombra, arquiteta.
 
Essa tendência é perceptível por especialistas do setor, mas não há grandes levantamentos oficiais sobre o assunto. O que mais existe são trabalhos acadêmicos relacionados ao layout desse cômodo, hábitos do morar ou lavanderias públicas. Mas, para ter ideia do crescimento de tal iniciativa, há o case da Omo Lavanderia: criado em 2019, o hub de serviços da marca já opera em 360 prédios residenciais de nove estados. “Em um primeiro momento focamos a implementação em São Paulo, mas evoluímos para outras cidades. Temos a meta de chegar a 800 condomínios este ano, expandindo fortemente a operação”, conta Teo Figueiredo, diretor do hub.
 
Em 2012, no seu mestrado na Universidade Federal do Ceará (UFC), Paula analisou as dimensões técnicas e a satisfação perante as lavanderias domésticas em habitações populares para pessoas de baixa renda em Fortaleza. Ela notou que a ausência e o tamanho reduzido do ambiente incomodava muito os moradores, que não conseguiam realizar suas atividades com conforto.
 
Também observou que os mobiliários são essenciais para o bom funcionamento do cômodo. Nesse sentido, com os apartamentos cada vez menores, arquitetos e designers de interiores encontram o desafio de projetar áreas de serviço funcionais, práticas e que combinem com o restante da decoração. Assim, uma das saídas é integrar (e muitas vezes esconder) a máquina de lavar em banheiros, cozinhas, varandas ou dentro de armários e móveis feitos sob medida.
 
Hábitos culturais
 
Inclusive, o eletrodoméstico tem papel de peso na discussão sobre a adesão das lavanderias compartilhadas no país. Em maio de 2020, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que 66,1% dos lares continham uma máquina de lavar, nível recorde do levantamento que começou em 2012.
 
No seu mestrado, Paula identificou que, para as pessoas de baixa renda, possuir uma máquina de lavar é visto como uma conquista. “Nos Estados Unidos e na Europa, o conceito do uso coletivo é mais difundido. Muitas residências não possuem lavanderia na planta. Porém, ainda há questões socioculturais no Brasil, como o apego a certos objetos, que podem tornar a ideia do compartilhamento mais difícil”, ela comenta.
 
Sustentabilidade
 
Um dos argumentos para defender as lavanderias compartilhadas é a sustentabilidade. “As máquinas profissionais medem automaticamente a quantidade dos produtos, reduzindo o desperdício e realizando lavagens mais rápidas e eficientes”, afirma Othon Barcellos, presidente da Associação Nacional das Empresas de Lavanderia (Anel). Por exemplo, a OMO Lavanderia indica que em suas unidades a redução no consumo de água e energia chega a 65%; e o processo completo de lavar e secar as roupas demora apenas 75 minutos.
 
Outra vantagem, segundo Othon, é que as máquinas profissionais exigem menos manutenção e duram, em média, 30 mil ciclos. Enquanto isso, as máquinas residenciais têm validade de 10 anos, com capacidade de até três mil ciclos. “Quando pensamos em sustentabilidade, comumente associamos à preservação da natureza. Mas também envolve questões econômicas, culturais, políticas e éticas”, diz Rosana Vasques, professora de design.
 
Normas de higiene
 
No seu mestrado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2011, Rosana analisou a eficiência das lavanderias coletivas em condomínios de Curitiba. Ela avalia positivamente o progresso desses espaços, mas considera que há necessidade de aprimoramento. “Pensando logicamente, o que é necessário não é a máquina de lavar, mas sim a roupa limpa. Porém, não basta integrar as lavanderias compartilhadas nos prédios, é preciso considerar as particularidades dos usuários”, aponta ela.
 
Um exemplo é garantir que os horários de funcionamento e os métodos de lavagem disponíveis atendam a diversos perfis. Há vestimentas que precisam de cuidados específicos e não devem ser misturadas com outras peças – caso dos uniformes de profissionais de saúde.
 
Ponto de encontro
 
Rosana também observou que os espaços coletivos podem incrementar a convivência com os vizinhos, desde que sejam convidativos. “Porém, as lavanderias pesquisadas pouco incentivam a interação social, possivelmente porque não foram projetadas pensando em fomentar essas interações, mas sim com foco em fatores econômicos”, ela indica.
 
Diante disso, o papel dos profissionais de decoração ganha ainda mais relevância. “O design de interiores é fundamental para solucionar problemas e deixar os espaços mais agradáveis, seja nos apartamentos, seja nas áreas coletivas”, diz José Augusto Aly, arquiteto e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Com boas soluções de decoração, lavar as roupas – dentro de casa ou no ambiente compartilhado –, não tem porque emanar agonia.
 
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