18/09/2019 - 00h54

Avaliado em R$ 1,2 bilhão, novo prédio do TJ de SP cria mal-estar em tribunal

Folha de S. Paulo
 
Novo edifício deve reunir todos os gabinetes dos 360 desembargadores e juízes substitutos do estado
 
A retomada de um plano para construir um novo prédio para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que abrigaria os gabinetes dos magistrados a um custo previsto de R$ 1,2 bilhão, provocou mal-estar entre integrantes da corte e o presidente, desembargador Manoel Pereira Calças.
 
Pereira Calças foi contestado com pedido de divulgação ampla dos detalhes da obra e mais transparência na licitação do projeto executivo do prédio, que tem valor referência de R$ 25,3 milhões.
 
Na semana passada, o presidente do TJ resolveu suspender por 30 dias o resultado da concorrência, “para que não se alegue qualquer irregularidade”. A abertura dos envelopes com as propostas, inicialmente, aconteceria na última segunda (9).
 
Previsto para ser erguido no centro de São Paulo em uma área de 12 mil m², o edifício deve reunir todos os gabinetes dos 360 desembargadores e juízes substitutos do estado, em duas torres de 31 pavimentos (24 andares, térreo e seis subsolos), com heliponto.
 
O presidente do tribunal retomou uma ideia iniciada em 1975 (quando o Governo de São Paulo desapropriou a área) e que voltou a ser discutida nos anos de 2005 e 2006.
 
Em 2013, o valor previsto para a construção do prédio era de R$ 500 milhões. Agora, é de R$ 1,2 bilhão, embora o custo final ainda não esteja definido. Segundo o tribunal, o projeto executivo é essencial para o correto orçamento da obra, e o valor de referência foi feito com base em estudo técnico preliminar e pesquisa de mercado.
 
A expectativa atual é inaugurar o edifício de 2025 a 2027. A justificativa é que esse novo prédio economizaria cerca R$ 58 milhões ao ano, que são gastos com transporte dos magistrados e em aluguéis. 
 
Na prática, porém, essa economia só saldaria os gastos com a construção 20 anos após o edifício ser inaugurado, caso o valor estimado de R$ 1,2 bilhão se concretize. ​
 
O Palácio da Justiça, atual sede do tribunal, continuaria a funcionar, mas os gabinetes dos desembargadores, que estão distribuídos em diversos prédios locados, ficariam em um único espaço.
 
Tanto o provável valor final quanto a data de inauguração foram apresentados pelo desembargador Pereira Calças em slides do anteprojeto da obra publicados pelo site Conjur.
 
A atual gestão do tribunal aproveitou um decreto da Prefeitura de São Paulo deste ano, que instituiu prioridade a projetos de valorização do centro da cidade, para pleitear o alvará da obra.
 
O tribunal justifica que a construção do prédio valorizará a baixada do Glicério, região degradada do centro, com “importância urbanística”. Também alega melhoria logística.
 
“A concentração de todos os gabinetes de desembargadores em um único ponto do centro de São Paulo permitirá a formação de um Complexo Judiciário, na medida em que estará próximo do Palácio da Justiça e dos Fóruns João Mendes Jr. e Hely Lopes Meireles”, diz a corte, em nota. 
 
“O que certamente facilitará o acesso de advogados, outros operadores do direito ao Poder Judiciário e da população em geral.”
 
O projeto da obra será custeado no momento em que o tribunal passa por problemas por excesso de gastos.
 
Em junho, foi alertado pelo Tribunal de Contas do Estado a conter despesas com pessoal, depois de quase alcançar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, e teve que anunciar suspensão de contratações e reajustes.
 
A intenção de construir os novos edifícios foi reapresentada na semana passada a alguns colegas por Pereira Calças, o que gerou questionamentos dentro do tribunal.
 
Na terça (3), um dia antes da reunião do órgão especial (composto pelos 25 desembargadores mais antigos), a desembargadora Maria Lucia Pizzotti enviou um ofício, copiado o presidente e os outros membros do órgão, questionando a tramitação da licitação para o projeto executivo. Ela não é integrante do órgão especial.
 
No documento, pediu a suspensão da licitação, afirmando que aspectos legais justificavam a medida.
 
Afirmou que o projeto não foi aprovado na corte, como determina resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que o edital não foi publicado em um diário de grande circulação, conforme a norma vigente, e ainda que o orçamento do tribunal não especifica a despesa.
 
“A proposta que vossas excelências aprovaram para o orçamento do ano vindouro prevê, também, um valor de R$ 24.698.192,00 para execução de obras e instalações em todo o estado, ou seja, novamente, um valor menor do que apenas o projeto executivo das faraônicas torres de gabinetes que se pretende construir”, comparou.
 
A desembargadora Pizzotti ainda pediu que seja aberta a base de cálculo que levou a obra a atingir o valor previsto. Na quarta, antes da sessão do órgão especial, Pereira Calças voltou a se reunir a portas fechadas com colegas. Chegou à sala com uma hora de atraso e anunciou a suspensão.
 
Reclamou da forma de encaminhamento dos questionamentos feitos pela desembargadora Pizzotti, por email, para “um projeto que já tem cerca de quatro décadas de andamento dessa corte” e disse que o assunto será tratado pelo órgão especial.
 
Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirma que o projeto é “de grande porte, concebido e aprovado pela alta administração do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao longo de quase cinquenta anos”. 
 
“A contratação dos projetos básico e executivos foi aprovada em sessão do Órgão Especial realizada em 21/09/2005, de modo que improcede impugnação, nesse ponto”, afirma nota da corte.
 
“Por se tratar de projeto antigo, possui rubrica orçamentária específica, em que existe reserva orçamentária para seu custeio desde 2010, suficiente para arcar com os custos do projeto executivo. Por esse motivo, não foi incluído na Proposta Orçamentária para 2020, que contemplou, exclusivamente, projetos de reforma predial, cuja necessidade foi apurada ao longo dos exercícios de 2018/2019.”
 
O tribunal afirma que após o projeto executivo definir o custo da obra, se cogitará eventuais parcerias com o estado para a obtenção dos recursos necessários. Também diz que fez a publicação do edital em um diário “considerado de grande circulação nacional”, o DCI (Diário do Comércio, Indústria e Serviços).
 
“Vale ressaltar que esses meios de publicação de editais são costumeiramente utilizados pelo TJSP e, em momento algum, são impugnados pelos órgãos de controle competentes —internos ou externos.”
 
Em São Paulo, a construção de um outro prédio foi alvo de um dos maiores escândalos do Judiciário.
 
A sede do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 2ª Região, com 90 varas, ficou famosa por causa do escândalo envolvendo o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, conhecido como Lalau --ele foi condenado e preso por irregularidades na obra. Os desvios foram estimados em R$ 169,5 milhões.
 
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